O regime fascista português (se não gostarem, leiam autoritário)
tem coisas incríveis que não se apercebe quem as viveu, como é difícil de crer
para quem as estuda. Autor mais do que proibido, banido, maldito, era Karl
Marx. Livros assinados por Marx ou por Marx e Engels eram simplesmente
proibidos. Ninguém os podia ler, ninguém os podia ter, ninguém os podia
guardar, transportar, oferecer, vender, armazenar… Portanto, a obra magna de
Marx, “O Capital”, “Das Kapital”, “Le Capital”, “Capital” simplesmente não
podia ser lida. É notável que os políticos e os militares que detinham o poder acreditassem
que num país que tinha mais de 25% de analfabetos, em 1970, podia eclodir uma
revolução porque os trabalhadores, o povo, tinham lido “O Capital”!
Uma vez, em 1948, os procuradores da Câmara Corporativa
tinham feito um parecer a propósito de uma lei sobre “problemas conexos com a
questão da Habitação” e alguém se lembrou que a expressão “mais-valia” estava
no articulado. Propuseram de imediato substituí-la por “maior-valia”,
considerando que “mais-valia” era um estrangeirismo (!). A discussão alastrou-se
depois para a Assembleia Nacional, com alguns deputados a justificar que
“maior-valia” não tinha o mesmo rigor matemático que “mais-valia”. Venceu o “estrangeirismo”
e ficou “mais-valia” no articulado. Nota-se bem o anti-comunismo do regime
salazarista, a subserviência e, sobretudo, a falta de cultura da elite
governante.
MARX, Karl – O Capital. Lisboa: Edições 70, abril de 1979.
5.ª edição. Coleção Biblioteca 70 – Economia. Tradução coletiva de uma equipa
que incluía Joaquim Pinto de Andrade, Ana Maria Barradas, Vera Azancot e Armando
Cerqueira.
Esta é uma edição popular que reúne num único volume alguns
dos conceitos fundamentais da filosofia económica de Karl Marx, o marxismo. Tradução
do francês “Le Capital”, que tem vários volumes. Tem a particularidade, útil,
de indicar de onde são retirados os capítulos. Neste caso, são quase todos
retirados do Tomo III ["O Capital – O processo global da produção capitalista" (1894, edição póstuma)], mas da versão original alemã, o que é estranho, já que é
uma tradução do francês.
MARX-ENGELS – Sobre a Literatura e a Arte. Lisboa:
Editorial Estampa, outubro de 1971. Coleção Teoria n.º 7. Tradução de Albano
Lima.
Este livro reproduz um conjunto de cartas trocadas entre
Karl Marx e Friedrich Engels e artigos e conferências de ambos, não
propriamente sobre Literatura e Arte, mas abordando a temática a partir da
condição económica e social de alguns autores russos, ingleses e franceses. É
interessante a crítica que fazem sobre autores precedentes e contemporâneos, críticos
do liberalismo, como Saint-Simon, Fourier, Blanc, Proudhon. É uma edição
estranha porque o autor estava proibido pelo regime salazarista, mas a obra não
consta da lista de livros proibidos. Dessa lista faz parte uma versão em castelhano
titulada “Sobre Arte y Literatura”. Quem é que arriscaria, em 1971, editar um
livro de um autor banido? Não se trata apenas de pôr em causa atos subversivos, mas de
perder dinheiro e arriscar a prisão. Ainda por cima coloca-se o nome do tradutor (que pode ser um
pseudónimo). Apesar de a data coincidir com o fim da chamada “primavera
marcelista”, pode ter sido editado depois de abril de 1974. Há certamente
explicações para isso.
MARX, Karl – O método da economia política. Venda
Nova – Amadora: Manuel Rodrigues Xavier, Livreiros Editores, dezembro de 1974.
Coleção 74. Tradução de André Graveto.
Este livro é uma curiosidade. É uma edição cuidada, de bolso,
sobre um manuscrito inédito de Marx, rascunhos incompletos, compilados e
editados, em 1967, por Günther Hillman na Alemanha. Os autores banidos pelo
regime fascista eram agora objeto de edições e reedições e todos os queriam
ler, provavelmente para ficarem desapontados. Os editores disputavam entre si
os direitos para Portugal e editavam tudo. E, certamente, ganhavam dinheiro.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich – Crítica da Economia
Nacional; Discurso de Eberfeld – Textos inéditos – 1845. Lisboa: Ulmeiro,
setembro de 1976. Cadernos Ulmeiro n.º 12. Tradução Manuel Reis Ferreira;
Edição e coordenação José Fortunato.
Como se disse, editava-se tudo. Os dois textos são uma
crítica à obra do economista alemão Friedrich List, “O sistema nacional da
economia política” (1841), explica na introdução Jean-Marie Brohm. A coleção
Ulmeiro é interessante, não está na esfera do PCP, mas de outros movimentos
revolucionários. E também editavam tudo: Che Guevara, Fidel Castro, Rosa do
Luxemburgo, Mao Tsé-Tung, J. L. Saldanha Sanches, Ho Cho Min, Fernando Pereira
Marques, Samora Machel, Kim Il Sung, etc.
MARX, Karl – Salário, Preço e Lucro. Porto: Livraria Latitude,
sem data. Coleção Cadernos Latitude n.º 1. Tradução de J. Carlos Ramires. Capa
e Direção Gráfica de Armando Alves. Edição do tradutor.
Esta é outra pequena curiosidade. Infelizmente está todo
sublinhado a caneta. É possível que tenha sido editado antes de abril de 1974. Era
mais um título proibido. É uma edição cuidada. Reproduz uma exposição feita por
Marx nos dias 20 e 27 de junho de 1865 nas sessões do Conselho Geral da
Associação Internacional dos Trabalhadores, publicado pela primeira vez em
folheto, em Londres, em 1898, com o título “Valor, Preço e Lucro”.
MARX, Karl – O 18 de Brumário de Louis Bonaparte.
Lisboa: Editorial Avante!, setembro de 1982. Coleção Biblioteca do Marxismo-Leninismo
n.º 19. Tradução de José Barata-Moura e Eduardo Chitas. Tiragem 3500 exemplares.
Trata-se de uma edição a partir do texto do Tomo I das Obras
Escolhidas em três tomos, de Marx/Engels, das Edições Avante! Edições Progresso
Lisboa-Moscovo, 1982, dirigida por um coletivo composto por José Barata-Moura,
Eduardo Chitas, Francisco Melo e Álvaro Pina. Trata-se da interpretação de Marx,
à luz da sua teoria filosófica, das revoltas de Paris entre 1848 e 1851. O
filósofo procura explicar os acontecimentos através da sua tese onde aborda a luta
de classes, revolução proletária, doutrina do Estado e ditadura do
proletariado.